Maior ave de rapina das Américas, a harpia está sofrendo com o desmatamento e a devastação das florestas
Maior ave de rapina das Américas, a harpia tem garras maiores que uma mão humana e uma crista em forma de coroa. (Fotografia: João Marcos Rosa)
Até chegar a Parintins, no Amazonas, foram 24 horas de barco desde Manaus, descendo o rio Negro. Depois de mais três horas numa camionete, selva adentro, já avistávamos nosso primeiro ninho de harpia. Ao meu lado, o veterinário venezuelano Alexander Blanco observava um filhote e ouvia seus piados. Ao fundo, porém, o ronco da motosserra anunciava uma área de extração ilegal de madeira. O caboclo João Ailton passa carregando uma tora. “Estamos cortando há dez dias, mas só ontem fui avisado de que tinha um filhote de gavião-real lá em cima. O bicho é grande, né?”, diz, sem espanto.
Foi uma situação típica. O comércio da madeira, a caça, a pecuária e a agricultura têm sido uma ameaça às harpias nas florestas tropicais de toda a América Latina. O declínio da espécie está diretamente ligado ao extermínio de seu hábitat, já que a ave não possui nenhum predador natural – com até 1,20 metro de altura e envergadura de 2,5 metros, está no topo da cadeia alimentar.
Suas garras poderosas podem capturar grandes mamíferos, como as preguiças e os macacos cujas ossadas têm sido alvo de um dos estudos do biólogo Benjamim da Luz na Amazônia. Em setembro de 2005, ele e o professor Marcial Cotes localizaram o primeiro ninho de harpia da Bahia, na reserva particular Estação Vera Cruz, em Porto Seguro – o segundo encontrado até hoje na mata Atlântica.
O achado é uma esperança para a salvação dessas aves, para que elas continuem honrando as raízes de seu nome na mitologia grega: “harpias” eram deusas que representavam as tempestades, donzelas com corpo de abutre, garras de águia e cauda de serpente.
Na Amazônia, onde as harpias possuem sua maior população viável em todo o mundo, os ninhos ficam no mínimo a 25 metros de altura – podem chegar aos 50. O uso de técnicas verticais, como o rapel, é essencial na captura de filhotes para estudos na Reserva Florestal de Imataca, na Venezuela (onde o pesquisador Alexander Blanco, à esquerda, desce de uma sumaúma), e nas matas de Manacapuru e de Parintins (AM). Os trabalhos fazem parte do primeiro estudo brasileiro sobre a harpia em seu hábitat, coordenado pela bióloga Tânia Sanaiotti no Instituto de Pesquisas Amazônicas (Inpa).
Na escola da comunidade de Lago do Cururu, Tânia discorre sobre a importância de preservar os ninhos. “O intuito é fazer com que o gavião-real seja visto como um amigo, não como uma ameaça”, diz.
Um filhote abre suas asas no alto da floresta, no Amazonas, diante da carcaça de uma preguiça, deixada pela mãe há pouco no ninho.
Quando completar 2 anos e atingir a maturidade plena, a jovem harpia terá de começar a caçar, pois os pais passarão gradualmente a levar menos comida para ela. Pesquisas realizadas no Panamá comprovaram que uma harpia adulta caça de 250 a 300 presas por ano, entre primatas, grandes aves e preguiças.
O gavião-real é um dos melhores indicadores da saúde do ambiente em que vivem, e tornou-se um vetor da conservação da biodiversidade das florestas tropicais. Já é considerado a ave-símbolo do Panamá e também do estado Bolívar, na Venezuela.
O mineiro Roberto Azeredo trabalha com as harpias desde 1994, quando recebeu um macho vindo da Fundação Zoobotânica de São Paulo. Criador e autor de experiências de sucesso com cracídeos, como o mutum-do-sudeste, ele obteve um feito inédito em 1999: o nascimento de um filhote em cativeiro criado pelos pais (abaixo). Hoje, Azeredo possui um plantel de 25 harpias (à direita, ao lado do oitavo filhote, dos dez concebidos em seu instituto, na cidade de Contagem). “Meu objetivo é devolvê-las para o seu hábitat”, diz, defendendo a tese de que a reprodução em cativeiro é fundamental para a conservação. Ele e a bióloga Tânia Sanaiotti elaboraram em 2005 um projeto de reintrodução na mata Atlântica, onde a espécie está fragilizada. Conseguiram autorização do Ibama e buscam financiamento e área adequada para a soltura.
Autor: João Marcos Rosa
Fonte: National Geographic Brasil
Original: http://bit.ly/sM39t8