Petróleo verde



Produzir combustíveis a partir de plantas pode ajudar o planeta – mas falta superar obstáculos


Vestido para se proteger de cortes e serpentes, cortador faz uma pausa em canavial de Cosmópolis (SP)

Quando Dario Franchitti levou sua máquina aerodinâmica, nas cores laranja e preto e com motor de 670 cavalos, à vitória na prova de Indianápolis 500 deste ano, o efusivo escocês tornou-se o responsável por uma das mais curiosas notas na história do esporte. Ele subiu ao pódio como o primeiro piloto a vencer a prova de automobilismo mais famosa dos Estados Unidos com um carro abastecido apenas com etanol – o translúcido e calórico álcool de milho produzido pelos americanos.

A adoção desse combustível pelos competidores na corrida de Indianápolis é apenas mais um sinal do estouro da boiada em direção aos biocombustíveis, substitutos da gasolina e do óleo diesel que são extraídos de plantas como milho, soja e cana-de-açúcar. Para os entusiastas, tais fontes renováveis de energia poderiam reanimar a economia rural, diminuir a preocupante dependência de petróleo e – o melhor de tudo – reduzir a quantidade cada vez maior de dióxido de carbono que lançamos no ar. Ao contrário do carbono liberado pela queima de combustíveis fósseis, que vem elevando sem parar o termostato da Terra, o carbono dos biocombustíveis provém da atmosfera, de onde é capturado pelas plantas durante seu período de crescimento. Em teoria, portanto, a queima de um tanque de etanol poderia até mesmo zerar a conta de carbono de um carro de competição em Indianápolis.

O termo crucial aqui é “poderia”. Os biocombustíveis, tais como são produzidos hoje nos Estados Unidos, vêm beneficiando sobretudo alguns poucos fazendeiros e gigantes do agronegócio, como a Archer Daniels Midland e a Cargill, mas não se pode dizer o mesmo quanto ao ambiente. O cultivo de milho requer grandes quantidades de herbicidas e fertilizantes à base de nitrogênio e pode provocar mais erosão no solo do que qualquer outra cultura agrícola. A própria produção de etanol de milho consome uma quantidade considerável de combustível fóssil – justamente o que ele vem substituir. A situação melhora apenas um pouco com o biodiesel produzido a partir de grãos de soja. Por outro lado, os ambientalistas temem que o aumento dos preços de ambos os produtos acabe levando os agricultores a cultivar cerca de 14 milhões de hectares de terras secundárias atualmente reservadas para a recuperação do solo e a conservação da fauna selvagem, potencialmente liberando ainda mais dióxido de carbono retido nos campos incultos.

O interesse elevou a tal ponto o preço do milho que os produtores americanos já se preparam para colher a maior safra desde a Segunda Guerra Mundial. Cerca de um quinto dela será destinado à produção de etanol – mais que o dobro do que se destinava cinco anos atrás. No entanto, tão grande é a sede por combustível entre os americanos, com seus utilitários esportivos beberrões, que, mesmo que toda a safra de milho e soja fosse transformada em biocombustível, ela substituiria apenas 12% da gasolina e 6% do óleo diesel consumidos no país.

Mesmo assim, a perspectiva de ondas douradas de plantações de combustível é atraente demais para ser ignorada, sobretudo diante do exemplo do Brasil. Três décadas depois de lançarem um programa de emergência para substituir parte da gasolina consumida no país pelo álcool de cana-de-açúcar, as autoridades brasileiras anunciaram no ano passado que, graças ao álcool combustível e ao aumento da produção interna de petróleo, o país já não depende da importação de petróleo. Os investidores, seguindo o exemplo de executivos famosos, como Richard Branson, da Virgin Atlantic, e Vinod Khosla, da Sun Microsystems, embarcaram na nova tendência e aplicaram mais de 70 bilhões de dólares em empresas produtoras de energia renovável. O governo americano ofereceu subsídios consideráveis aos produtores de etanol, e o presidente Bush destinou mais de 200 milhões de dólares a pesquisas com o objetivo de substituir por etanol e outros combustíveis 15% do consumo previsto de gasolina nos Estados Unidos até o ano de 2017.

“Há o risco de produzirmos etanol de maneira incrivelmente burra”, diz Nathanael Greene, do Conselho de Defesa dos Recursos Nacionais dos Estados Unidos. “Todos queremos um futuro repleto de fauna selvagem, carbono no solo e benefícios generalizados.” A chave para isso, segundo Greene e outros cientistas, é descobrir como produzir combustível a partir de matéria vegetal que não serve de alimento: caules, gramíneas, árvores de crescimento rápido e até mesmo algas. Essa abordagem, combinada à opção por veículos que fazem uso de energia mais eficiente, “poderia eliminar a demanda por gasolina até 2050”, afirma.

Um século atrás, o primeiro carro de Henry Ford utilizava álcool como combustível, ao passo que Rudolf Diesel alimentava com óleo de amendoim o motor que recebeu seu nome. No entanto, ambos os inventores logo descobriram que o “óleo de pedra”, depois de refinado, liberava muito mais potência por litro do que seus equivalentes vegetais, além de ser barato. Por isso, logo o petróleo fez com que os combustíveis vegetais fossem descartados. Apenas em épocas de escassez – como o embargo do petróleo promovido pela Opep em 1973 – os Estados Unidos e outros países voltaram a pensar no etanol, misturando-o à gasolina de modo a ampliar ao máximo seus estoques de combustível. Só depois de 2000 o álcool voltou com toda a força como combustível, sobretudo sob a forma de aditivo em fórmulas menos poluentes de gasolina.

Os entusiastas do etanol lembram que o setor petroleiro se beneficiou de subsídios imensos durante décadas, incluindo bilhões de dólares por ano de renúncia fiscal, assim como dezenas de bilhões de dólares empregados todos os anos na defesa dos campos petrolíferos no Oriente Médio – antes mesmo da guerra no Iraque. E isso sem falar nos incalculáveis prejuízos à saúde das pessoas e ao ambiente ocasionados pela poluição gerada por automóveis, caminhões e refinarias. Enquanto os subsídios ao petróleo seguem direto para as mãos de algumas das empresas mais ricas do mundo, aqueles destinados ao etanol estão provocando um renascimento econômico em pequenos vilarejos do interior dos Estados Unidos, como Wahoo, em Nebraska.

Em meados deste ano, com as 16 usinas de etanol de Nebraska se preparando para processar um terço da safra do estado, os preços do milho haviam dobrado e os agricultores estavam ansiosos para embolsar os lucros mais polpudos que tinham visto em toda a vida. “Esta é a primeira vez que planto apenas milho, e nada de feijão”, diz Roger Harders, fazendeiro de Wahoo. “A tentação é a de deixar de criar gado e só produzir milho.”

A despeito de todo esse entusiasmo, não é nada fácil encher o tanque do carro com etanol nos Estados Unidos. Ele continua sendo usado principalmente como aditivo à gasolina. Cerca de 1 200 postos concentrados na região produtora de milho, apenas, vendem o novo combustível na forma de E85, uma mistura de 85% de etanol e 15% de gasolina, útil só em motores especialmente projetados. O etanol tem rendimento 30% menor que o da gasolina, mas, como naquela área o galão (com 3,79 litros) custa cerca de 2,80 dólares, ele se mostra competitivo em relação à gasolina, vendida a 3,20 dólares.

Christine Wietzki responde pela gerência técnica de uma das mais avançadas usinas de etanol dos Estados Unidos, a E3 BioFuels, localizada na minúscula Mead, em Nebraska, com população que se resume a 564 pessoas. Sob uma gélida chuva de primavera, Christine mostra a usina, um grupo de edifícios, tanques e um silo, que se erguem em um lamaçal cinzento e com forte odor vindo de uma área adjacente cercada em que há 30 mil vacas. Muito do que acontece em seus tanques e suas tubulações é típico de toda destilaria de grande porte – afinal, desde sempre as pessoas transformam cereais em álcool. Os grãos são moídos, misturados com água e aquecidos; em seguida, acrescentam-se enzimas para converter o amido em açúcares. Em um tanque de fermentação, a levedura transforma os açúcares em álcool, o qual é isolado da água por meio de destilação. O resíduo vira alimento para as vacas, e parte da água usada, com elevado teor de nitrogênio, é distribuída pelos campos como fertilizante.

Todo o processo libera também grande quantidade de dióxido de carbono, e é aí que o rótulo verde do etanol começa a ficar pardo. A maioria das usinas de etanol depende da queima de gás natural ou, cada vez mais, de carvão para gerar o vapor utilizado na destilação, adicionando emissões de combustíveis fósseis ao dióxido de carbono produzido pela levedura. O cultivo de milho requer ainda fertilizantes com nitrogênio, fabricados com gás natural, e o emprego intensivo de equipamentos agrícolas movidos a óleo diesel. Alguns estudos sobre o equilíbrio energético do etanol de milho – os quais estimam a quantidade de energia fóssil necessária para produzi-lo – apontam a irracionalidade do processo, que requer mais combustível fóssil emissor de carbono do que aquele que viria a substituir. Outros estudos, porém, indicam uma ligeira vantagem positiva. Entretanto, seja qual for o cálculo, o etanol de milho não representa nenhuma panacéia contra o efeito estufa.

“Os biocombustíveis são total perda de tempo e estão nos desviando daquilo em que de fato devemos nos concentrar, ou seja, o uso mais eficiente da energia”, diz David Pimentel, da Universidade Cornell, um dos mais enfáticos críticos do etanol. No entanto, Wietzki e seus colegas em Mead estão confiantes em que vão acabar conseguindo resultados mais animadores. Eles esperam tornar mais vantajosos o aproveitamento energético e a neutralização do efeito estufa por meio de um sistema de circuito fechado – e é aí que entram as vacas. A idéia é abastecer os aquecedores com o gás metano obtido em dois biodigestores gigantes, cada qual com capacidade de 15 milhões de litros, alimentados com o esterco recolhido na área dedicada ao gado – na verdade, usando biogás para produzir biocombustível.

É fácil perder a fé nos biocombustíveis quando se conhece apenas o etanol de milho. Um quadro mais animador encontra-se na cidade de São Paulo, onde milhões de motoristas passam horas em congestionamentos, com o motor de seus carros movido pelo álcool produzido nos canaviais do interior do país. O Brasil vem usando algum tipo de etanol em veículos desde a década de 1920, mas a reviravolta ocorreu na década de 1970, época em que se importavam três quartos do petróleo consumido. Quando o choque do petróleo promovido pela Opep ameaçou a economia do país, o então presidente, general Ernesto Geisel, decidiu pôr um fim à dependência de petróleo importado. Geisel concedeu financiamentos para a construção de usinas de álcool, fez com que a estatal Petrobras instalasse bombas de álcool em seus postos por todo o país e ofereceu incentivos fiscais à indústria automobilística para que fabricasse veículos com motor adaptado ao uso do novo combustível. Até meados da década de 1980, boa parte dos carros vendidos no Brasil era abastecida exclusivamente com álcool.

Entusiastas da Fórmula 1, os motoristas brasileiros adotaram a novidade, sobretudo devido à elevada octanagem – cerca de 113 octanas – do álcool de cana. Isso significa que ele queima melhor a uma taxa de compressão mais alta que a da gasolina, conferindo maior potência aos motores adaptados. Com a vantagem adicional, proporcionada pelos subsídios oficiais, de custar bem menos. Porém, a trajetória do álcool combustível no Brasil nem sempre foi tranqüila. No início dos anos 1990, a queda nos preços do petróleo levou o governo a cancelar os subsídios, e os altos preços do açúcar fizeram com que os usineiros não vissem vantagens em produzir o combustível. Milhões de proprietários de carros a álcool, como o engenheiro Roger Guilherme, que ocupa cargo de supervisão na Volkswagen do Brasil, de repente ficaram presos a um combustível menos vantajoso que a gasolina.

“Quem tinha carro a álcool era obrigado a enfrentar longas filas para encher o tanque”, conta Guilherme, em sua sala na fábrica da Volkswagen, na cidade paulista de São Bernardo do Campo. “Os motoristas perderam a confiança no programa do álcool.” Uma década depois, quando os preços do petróleo subiram de novo, os brasileiros voltaram a se interessar pelo álcool, mas, dada a experiência anterior, não queriam ficar presos a uma única opção. Por isso, os chefes de Guilherme lhe propuseram um desafio: encontrar uma maneira pouco dispendiosa de fazer com que os carros pudessem rodar tanto com gasolina como com álcool. Em colaboração com os engenheiros da Magneti Marelli, empresa de autopeças que fornece sistemas de ignição à Volkswagen, a equipe de Guilherme desenvolveu programas de computador capazes de ajustar automaticamente a proporção de ar e de combustível injetada no motor, assim como o sistema de ignição eletrônica, possibilitando o uso de qualquer mistura de gasolina e álcool. Em 2003, a Volks lançou o primeiro carro TotalFlex no mercado nacional, introduzindo o sistema em um modelo básico, o Gol. O sucesso foi imediato, e logo a concorrência estava vendendo veículos que rodavam com qualquer mistura de álcool e gasolina.

Atualmente, quase 85% dos carros novos vendidos no Brasil são do tipo flex: modelos pequenos e esportivos que circulam entre enormes e fumacentos caminhões a diesel. Com 1 litro de álcool custando em média 1 real menos que o litro de gasolina, a maioria desses veículos flex costuma ser abastecida com álcool.

A cana-de-açúcar, gramínea tropical de suco adocicado e rápido crescimento, é um dos principais produtos de exportação do Brasil desde o século 16. Ao contrário do que ocorre com o milho, no qual o amido contido no grão tem de ser transformado em açúcar com a ajuda de dispendiosas enzimas antes de ser fermentado, o próprio caule da cana-de-açúcar já é constituído por 20% de açúcar – e ela começa a fermentar logo depois de ser cortada. Um canavial produz de 5,7 mil a 7,6 mil litros de etanol por hectare, mais que o dobro do verificado com um milharal.

A usina São Martinho, que está entre as maiores usinas de açúcar e destilarias de etanol do mundo, se localiza no meio do deserto verde-esmeralda que se tornou a região central do estado de São Paulo. A cada ano, a usina transforma 7 milhões de toneladas de cana em 300 milhões de litros de álcool combustível para os carros brasileiros, assim como 500 mil toneladas de açúcar, exportadas principalmente para a Arábia Saudita. Para atender à crescente demanda por etanol, dentro e fora do país, a empresa está construindo outra unidade, capaz de processar 3 milhões de toneladas anuais, em Goiás, estado que vem sendo tomado por novos canaviais.

Nesse deserto verde, os produtores conseguem realizar sete colheitas antes do replantio e as usinas reciclam e transformam em fertilizante a água que utilizam. Como a maioria das usinas brasileiras, a São Martinho não usa combustível fóssil nem eletricidade da rede convencional: todas as suas necessidades energéticas são preenchidas com a queima do que resta da cana, o bagaço. Até mesmo os caminhões que transportam cana e máquinas agrícolas são movidos por uma mistura de diesel e etanol; e o mais utilizado avião pulverizador de colheitas, o pequeno modelo Ipanema, é a primeira aeronave de asa fixa projetada para voar com álcool puro. “A eficiência é a nossa obsessão”, diz o diretor da usina, Agenor Cunha Pavan.

Enquanto a vantagem energética do etanol de milho é quase nula, “conseguimos oito unidades de etanol para cada unidade de combustível fóssil”, informa Isaías Macedo, um dos mais renomados pesquisadores da cana-de-açúcar no Brasil. Segundo estimativas dos especialistas, a produção e a queima do álcool de cana geram cerca de 55% a 90% menos dióxido de carbono do que no caso da gasolina. Macedo vislumbra níveis de eficiência ainda maiores. “Podemos fazer o mesmo com dois terços ou mesmo metade do bagaço, assim como administrar melhor o uso dos tratores, e com isso chegar ao nível de 12 ou 13 unidades.”

A cana-de-açúcar, porém, não está isenta de problemas. Quase a totalidade da cana usada na usina São Martinho é cortada por máquinas, mas não ocorre o mesmo na maioria dos produtores brasileiros, que recorrem à colheita manual – um trabalho pesado e opressivo. Todos os anos cortadores de cana morrem de exaustão, segundo líderes de sindicatos. Além disso, para matar as serpentes e facilitar o corte manual da cana, costuma-se atear fogo aos canaviais antes da colheita, lançando fuligem na atmosfera e liberando metano e óxido nitroso, dois potentes gases que contribuem para o efeito estufa.

A expansão da área de cultivo de cana no Brasil – que deverá quase duplicar ao longo da próxima década – talvez esteja também ligada ao desmatamento. Ao ocupar o lugar de atividades tradicionais nas áreas agrícolas, a produção de álcool e açúcar pode contribuir para empurrar os criadores de gado para territórios ainda não desbravados na região do cerrado e na Amazônia. “Embora o álcool seja considerado um combustível ‘limpo’, seu modo de produção é bastante sujo”, diz o promotor Marcelo Pedroso Goulart, do Ministério Público de São Paulo. “Basta lembrar as queimadas nos canaviais e a exploração do trabalho dos cortadores.”

Todo biocombustível, além disso, consome safras que poderiam alimentar as massas famintas do planeta. De acordo com um recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), ainda que seus benefícios sejam grandes, a explosão dos biocombustíveis poderá reduzir a oferta de alimentos e aumentar o preço da comida num mundo em que 25 mil pessoas morrem de fome a cada dia, quase todas elas crianças com menos de 5 anos de idade. Estima-se que a demanda por combustível e alimento vai duplicar até meados deste século, e muitos cientistas temem que nas próximas décadas a produtividade agrícola seja prejudicada pelas mudanças climáticas.

A única maneira de colher os benefícios dos biocombustíveis sem prejudicar o suprimento de alimentos é tirar estes últimos da equação. Embora os grãos de milho e o caldo da cana sejam fontes tradicionais de etanol, pode-se obter álcool a partir de galhos, de folhas e até de serragem. Quase todos esses materiais são constituídos de celulose, as resistentes cadeias de moléculas de açúcar que formam as paredes das células vegetais. O rompimento dessas cadeias e a fermentação dos açúcares poderiam gerar uma variedade de biocombustíveis, sem com isso prejudicar a produção de alimentos. Os mais visionários já entrevêem um aproveitamento das gramíneas perenes das pradarias americanas, como a Panicum virgatum e a Buchloe dactyloides. Elas retêm o carbono no solo, proporcionam um hábitat para a fauna selvagem, facilitam o controle da erosão e podem vir a ser uma fonte abundante de biocombustível.

O princípio por trás do etanol de celulose é simples. O complicado, porém, é produzi-lo a custo similar ao da gasolina.

Até agora, apenas algumas usinas experimentais vêm produzindo esse tipo de etanol nos Estados Unidos. A mais antiga é o National Renewable Energy Lab (NREL), no Colorado. Ela pode converter 1 tonelada de biomassa – pés de milho, gramíneas, madeira – em 265 litros de etanol no prazo de uma semana. Além de celulose e semicelulose, essas matérias-primas contêm uma substância chamada lignina. A lignina une as moléculas de celulose, conferindo às plantas a rigidez estrutural que lhes permite ficar eretas e captar a luz solar. Sua característica adesiva também torna o tecido vegetal difícil de romper, como bem sabem os fabricantes de polpa e papel. “A piada tradicional é que se pode fazer tudo com a lignina, exceto ganhar dinheiro”, brinca o pesquisador Andy Aden, do NREL.

A fim de soltar a lignina das moléculas de celulose, com freqüência o material vegetal é pré-processado com calor e ácido. Depois são adicionadas enzimas, obtidas por processos de alta tecnologia, que têm a função de transformar a celulose em açúcares. O resultado – uma pasta marrom-escura de cheiro ligeiramente adocicado, como o de melaço – é carreado para os tanques de fermentação, nos quais bactérias ou leveduras entram em ação para produzir o álcool.

O processo atual recupera apenas 45% do teor energético da biomassa sob a forma de álcool – pouco quando se compara ao aproveitamento energético do petróleo bruto ao ser refinado, da ordem de 85%. Portanto, é preciso otimizar tal aproveitamento para que o etanol de celulose seja competitivo em relação à gasolina; para isso, os pesquisadores estão buscando meios melhores de romper a celulose. Uma possibilidade são micróbios e enzimas geneticamente modificados e extraídos do intestino dos cupins – os processadores naturais da energia contida na celulose.

O potencial é imenso. O aproveitamento da celulose existente em toda a estrutura do milho, e não apenas o uso dos grãos, poderia dobrar o rendimento do etanol de milho. Com isso a Panicum vergatum seria capaz de produzir tanto etanol por hectare quanto a cana-de-açúcar.

Não há nenhuma planta mágica capaz de resolver os nossos problemas energéticos sem prejudicar o ambiente, segundo a maioria dos cientistas que se debruçam sobre a questão. No entanto, muitos deles dizem que as algas são o agente que mais se aproxima dessa solução ideal, pois se desenvolvem em água suja, e até mesmo em água do mar, pouco requerendo para prosperar além de luz solar e dióxido de carbono. Uma dezena de empresas recém-criadas está tentando converter essa gosma esverdeada em combustível viável.

A GreenFuel Technologies, em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, é a empresa que mais avançou nessa área. Fundada por Isaac Berzin, um químico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a empresa aperfeiçoou um processo no qual algas colocadas em sacos plásticos sugam o dióxido de carbono presente nas emissões das chaminés das usinas elétricas. As algas não só reduzem os gases que contribuem para o aquecimento global como também absorvem outros poluentes gerados pelas usinas. Algumas espécies produzem amido, que por sua vez pode ser transformado em etanol; outras geram minúsculas gotas de um óleo que, refinado, se torna biodiesel ou mesmo combustível para aviões a jato. O melhor de tudo é que, em condições favoráveis, as algas conseguem dobrar de massa em questão de horas. Enquanto cada hectare de milho produz cerca de 2 500 litros de etanol por ano e 1 hectare de soja, cerca de 560 litros de biodiesel, teoricamente cada hectare de algas pode gerar mais de 45 mil litros de biocombustível no mesmo período.

“Tanto o milho como a soja têm uma única safra anual”, conta Berzin. “As algas podem ser colhidas todos os dias. Já comprovamos que conseguimos cultivar algas desde Boston até o Arizona.”

A fazenda de energia, para usar o termo adotado pela GreenFuel, não passa de um agrupamento de contêineres e trailers com escritórios ao lado de uma grande estufa coberta de plástico. Fora da estufa, fileiras de tubos plásticos repletos de um borbulhante líquido verde mais parecem gigantescas lesmas penduradas em anzóis. A empresa faz questão de preservar seus segredos.

A companhia tem razão em agir assim: há cerca de uma dúzia de pessoas em todo o planeta que sabem como cultivar algas em sistemas de alta densidade. Os especialistas em algas, que permaneceram por muito tempo entre as posições menos prestigiosas da pesquisa em biologia, estão se tornando as novas celebridades da área. Seu maior desafio, como no caso do etanol de celulose, é reduzir o custo da alga-combustível. “No fim das contas, isso só vai se tornar viável se ficar mais barato que o óleo diesel”, afirma Marcus Gay, da GreenFuel. “Se cobrarmos 1 centavo a mais do que custa um galão de diesel, estaremos perdidos.” (Em julho, o aumento dos custos e os problemas técnicos obrigaram a GreenFuel a fechar temporariamente o biorreator de Redhawk.)

Os implacáveis números relativos ao suprimento, ao aproveitamento energético e, sobretudo, ao preço para o consumidor final serão de importância crucial para o futuro do etanol e do biodiesel ao redor do planeta.

Por enquanto, os combustíveis verdes têm uma inegável aura romântica. No estacionamento da sede da companhia em que trabalha, no centro de Phoenix, Ray Hobbs, um engenheiro que comanda o programa de combustíveis da empresa APS, passa diante de uma pequena frota de carros elétricos, veículos híbridos e um ônibus movido a hidrogênio. Ele se acomoda numa grande picape Ford a diesel e dá partida no motor. Não sai fumaça nenhuma; tudo o que se nota é um débil cheiro do biodiesel produzido a partir de algas na usina piloto de Redhawk. O superviscoso óleo vegetal contribui, ainda, para reduzir aquela incômoda trepidação dos motores a diesel.

“Vejo as coisas da seguinte maneira: é como se eu estivesse sentado em uma canoa no meio do rio”, diz Hobbs. “O que vou fazer? Remar rio acima ou deslizar junto com a correnteza? A opção pelas algas é como seguir a correnteza, na mesma direção do fluxo. Na natureza existem processos que já foram aperfeiçoados, que evoluíram no decorrer do tempo. Podemos muito bem aproveitar esses processos, torná-los mais rápidos e mais eficientes e extrair energia deles.”

Hobbs afirma que foi procurado dezenas de vezes por empresas de eletricidade interessadas em instalar fazendas de algas para limpar emissões e contribuir para seus programas compulsórios de pesquisa de novos combustíveis.

O fascínio pelos combustíveis vegetais parece ter chegado aos desertos ricos em petróleo do Oriente Médio. Os Emirados Árabes Unidos destinaram 250 milhões de dólares a um programa de pesquisa de energia renovável que inclui os biocombustíveis – talvez um sinal de que até os xeques começam a se dar conta de que a era do petróleo não vai durar para sempre.

Autor: Joel K. Bourne
Fotografia: Robert Clark
Fonte: National Geographic Brasil
Original: http://bit.ly/noZXNe


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